Como está Macondo hoje
Vi esta notícia publicada na BBC, em 5 de dezembro de 2002 e achei legal deixá-la aqui. Muita gente deve ficar curiosa para saber como é hoje Macondo (na realidade, Aracataca). Aí para quem interessar possa:
Cidade natal de García Márquez vive anos de solidão
Valquíria Rey, enviada especial a Aracataca
A cidade colombiana que serve de cenário para a recém-lançada autobiografia do escritor colombiano Gabriel García Márquez, Viver para Contar, está se queixando de abandono.
A pequena Aracataca, de 51 mil habitantes e situada no Caribe colombiano, foi onde o Prêmio Nobel de Literatura de 1982 nasceu.
O mais recente livro do autor começa com um noivado em Aracataca, entre o funcionário dos telégrafos Gabriel Eligio García e a jovem Luisa Santiaga Márquez - os pais do escritor.
Os habitantes da cidade, que serviu também de inspiração para a Macondo de Cem Anos de Solidão se dizem abandonados pelo poder central colombiano e muitos dizem que o escritor é responsável pela atual estagnação.
Esquecimento
"Ele é sim motivo de orgulho para todos nós. Mas nos esqueceu e, por causa dele, a cidade parou no tempo", disse à BBC Brasil o comerciante Ismael Ricardo Blanco.
O melhor retrato do abandono que atingiu Aracataca é o estado em que se encontra a Casa Museu García Márquez, onde nasceu o escritor.
Nas duas peças que restam estão poucos móveis: uma máquina de escrever Olivetti Studio 44, uma mesa de escritório, duas cadeiras de palha, o velho telégrafo de Gabriel Eligio García, pai de Gabo, e alguns quadros empoeirados da família pendurados nas paredes.
Declarada monumento nacional em 1996, a casa recebe menos de 500 visitas ao ano e sobrevive graças a caridade. No local, não existe uma loja, uma cafeteria, nem mesmo uma sala de exposições.
"Temos um projeto de restauração, mas necessitamos dinheiro. A prefeitura paga apenas os gastos de manutenção. Já o governo nacional nos abandonou", afirma o diretor do museu, Edgar Pérez.
Durante a infância de García Márquez, Aracataca prosperava com a chegada da empresa de comercialização de banana norte-americana United Fruit Co.. Hoje, é uma cidadezinha que não cresceu, está perdida no tempo.
García Márquez não tem sentimento regionalista. Ele deveria dar alguma coisa para seu povo.
"Aracataca segue igual ou pior que há 20 anos, quando ele ganhou o prêmio. Antes havia mais trabalho por aqui. Agora ficamos apenas com a fama", diz Nicolás Ąrias, primo do escritor.
O prefeito Efrain García Jiménez não sabe se é por conta do realismo mágico ou da nostalgia do livro de Gabo que os habitantes querem viver nos Cem Anos de Solidão.
"Não podemos viver em função do que tornou Aracataca famosa. O município está estancado em seu progresso. García Márquez não tem sentimento regionalista. Ele deveria dar alguma coisa para seu povo. Até mesmo se ele doasse alguns objetos pessoais, tornaria o museu mais atrativo aos visitantes”, afirma o prefeito.
Muitos dos familiares de Gabriel García Márquez, ou Gabo, ainda vivem em Aracataca.
Sentado em uma cadeira de plástico em frente de sua pequena casa de alvenaria, cuja porta está sempre aberta, Nicolás Arias é a presença viva da familia de Gabriel García Marquez na cidade.
Diferente do primo, o mais famoso escritor colombiano, Ąrias nunca quis abandonar uma das principais fontes de inspiração do Prêmio Nobel de Literatura: a cidadezinha de ruas empoeiradas e esquecida pelo poder central de Bogotá.
Ąrias, de 66 anos, não encontra o primo há mais de dez. Mas não se queixa: "Ele não se esqueceu do povo, da sua gente", disse.
"Depois do Nobel, Gabo esteve aqui apenas em três ocasiões. Ele não vem mais por questões de segurança, porque poderia se transformar facilmente em uma grande presa para os grupos violentos, que adorariam seqüestrá-lo."
Cotidiano
Apesar da ausência física, a literatura de Gabo está na vida cotidiana da cidade.
Como seus personagens imortais – Remédios, a Bela, o coronel Aureliano Buendía, o cigano Melquíades e Úrsula Igurán -, o nome de Gabo, suas frases, fragmentos de sua obra, passeiam pelas conversas dos adolescentes, dos velhos e dos homens durante os jogos de bilhar.
García Márquez nasceu em Aracataca em 6 de março de 1927. Morou na cidade até os oito anos com os avós maternos e três tias. Como ele mesmo conta, cresceu numa "casa de mulheres", cheia de histórias de fantasmas sem cabeça e lendas sobrenaturais.
Mesmo que nunca tenha voltado a viver na cidade, ela se converteu na inspiração de seu imaginário Macondo em Cem Anos de Solidão, a obra que o consagrou como grande escritor.
O lugar e as memórias de criança criaram seu "realismo fantástico", um gênero que mistura o imaginário e o real.
Depois de García Márquez ter ganho o Nobel, em 1982, Macondo se transformou em um dos lugares míticos da literatura universal.
Esse espaço que não existe no mundo real tem sua geografia, sua história e seus pontos turísticos para serem visitados.
Ainda hoje, Aracataca, em meio a plantações de bananas e um sol tropical, é reconhecida na Macondo da fictícia família Buendía: a estação de trem onde ocorreu o massacre dos trabalhadores bananeiros, as amendoeiras da praça Bolívar, a Rua dos Turcos e o rio.
“Aracataca é mundialmente conhecida. Nós é que devemos agradecê-lo”, disse.
Turistas
A cidade que um dia acreditou que poderia se transformar em um polo turístico, tem 30% de seus habitantes desempregados.
Ainda vive da banana, e as mariposas amarelas relatadas por García Marquez quase não aparecem por lá.
Aracataca segue igual ou pior que há 20 anos. Antes havia mais trabalho. Os turistas também são raros. Geralmente colombianos de cidades vizinhas, que quase nunca dormem no único hotel existente. Alguns vêm da Rússia, Estados Unidos, Grécia e Israel.
"A maioria vai para Santa Marta, capital do estado de Magdalena, e decide aproveitar para conhecer a cidade, distante apenas uma hora de carro", diz a agente de viagens Diana Lucía Noguera, ao informar que muitos perguntam primeiro por Macondo.
Devido à sua posição estratégica, Aracataca tem sido vítima da ação de guerrilheiros e paramilitares, que transformaram a estrada de acesso numa das mais perigosas do país, onde os seqüestros à luz do dia eram freqüentes.
Agora, as coisas estão mudando. Desde que o presidente Álvaro Uribe assumiu o poder, a polícia começou a voltar ao local e Aracataca, aos poucos, está abandonando os anos de solidão.
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